Parte do mistério da Covid longa é desvendada em retrato molecular

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Com ‘anzóis’ moleculares, cientistas descobriram que o problema desregula parte do sistema de defesa e bagunça processos ligados à manutenção de vasos sanguíneos

Pesquisadores europeus e americanos traçaram o mais completo retrato molecular dos efeitos da chamada Covid longa, nome dado aos sintomas persistentes que surgem depois da infecção pelo vírus pandêmico Sars-CoV-2.

Medindo a presença de milhares de proteínas no sangue dos pacientes com Covid longa, eles descobriram que o problema desregula parte do sistema de defesa do organismo, além de bagunçar processos ligados à manutenção dos vasos sanguíneos.

Além de desfazer o mistério que ainda paira em torno dos efeitos de longo prazo da Covid-19, o estudo pode trazer alternativas mais específicas para o tratamento desses pacientes, afirmam os autores do estudo, liderados por Onur Boyman, da Universidade de Zurique, na Suíça. Boyman e seus colegas suíços, suecos e americanos acabam de publicar os achados sobre o tema no periódico especializado Science.

Embora a maioria das pessoas com Covid-19 consiga se recuperar dos sintomas da doença poucas semanas após a infecção, calcula-se que cerca de 5% dos pacientes acabam desenvolvendo repercussões de longo prazo que são classificadas como Covid longa, num processo que pode se arrastar por vários meses e até anos.

Os sintomas são variados em seu número e na maneira como afetam diferentes pessoas, mas entre os mais comuns estão a sensação constante de cansaço e uma piora do desempenho mental.

Para tentar entender o que está acontecendo com o organismo das pessoas com essa condição, os pesquisadores se puseram a investigar o perfil molecular do sangue de quem tem Covid longa. Para isso, eles acompanharam 113 pessoas com Covid-19 desde o momento da confirmação da presença do vírus até um ano depois da infecção.

Os cientistas acompanharam também 39 pessoas que não pegaram a doença, como grupo de controle. Após 6 meses, 40 dos pacientes do grupo original tinham sintomas de Covid longa. Um ano depois, esse número caiu para 22 (10 tinham se recuperado e 8 pararam de comparecer às reavaliações clínicas; portanto, podem ou não ter continuado com os sintomas).

A partir das amostras de sangue, o que os pesquisadores fizeram foi usar uma plataforma denominada SomaScan, que se baseia em mais de 7.000 “anzóis” moleculares compostos por ácidos nucleicos (o mesmo tipo de substância que compõe o DNA e seu “primo”, o RNA). Os anzóis, chamados aptâmeros, conseguem se conectar de forma específica com diferentes tipos de proteínas, o que ajuda os cientistas a identificarem quais dessas moléculas estão circulando no sangue.

Com base nessa metodologia, Boyman e seus colegas constataram que a principal diferença entre as pessoas com Covid longa e as saudáveis é a desregulação em moléculas importantes para o chamado sistema complemento, que faz parte dos mecanismos de defesa inatos do organismo e, em condições normais, ajuda a contra-atacar invasores (como bactérias) e a eliminar células danificadas.

Tudo indica que essas moléculas estão formando cadeias capazes de se inserir na membrana das células de quem tem Covid longa, causando danos a elas. Além disso, os pesquisadores identificaram ainda disfunções em moléculas importantes para os vasos sanguíneos e a coagulação. Há indícios de um aumento da destruição de hemácias (os glóbulos vermelhos, que carregam oxigênio e gás carbônico no sangue) e a formação de “pelotas” de células de defesa e plaquetas (peças essenciais para a cicatrização de ferimentos).

O conhecimento desses detalhes é importante para atacar com precisão a origem dos sintomas da Covid longa, algo que deve ser melhorado a partir do novo estudo.

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